Ansiedade e burnout: quando a armadilha da produtividade ocupa o corpo e o sentido

Há uma voz interna que ecoa no mundo do trabalho: “você poderia estar produzindo mais”. Ela se veste de planilha, KPI, benchmarking — mas age como superego: impõe execução e silencia o que sofre. É o superego corporativo disfarçado de meta. É comum confundir essa voz com ambição saudável; porém, quando ela não permite erro, descanso ou lentidão, torna-se carrasco.

Do ideal ao esgotamento

A pressão constante alavanca o mecanismo da culpa: se não rende, não vale. E na psique, a culpa se transforma em tormento. O corpo protesta: insônia, dores inexplicáveis, irritação, fadiga.

Globalmente, segundo a OMS, 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente por depressão e ansiedade, com custo estimado de US$ 1 trilhão em produtividade perdida.

No Brasil, uma pesquisa da WTW feita em 2025 mostra que 23% dos trabalhadores relatam sintomas elevados de esgotamento profissional (burnout).

Em 2025, o Brasil incorporou oficialmente a classificação da Síndrome de Burnout como condição ocupacional no novo CID, conferindo respaldo jurídico e previdenciário aos diagnósticos relacionados ao trabalho.

Também crescem as disputas judiciais: nos primeiros quatro meses de 2025, as ações por burnout na Justiça do Trabalho subiram 14,5% em relação ao mesmo período anterior, gerando um passivo de R$ 3,75 bilhões em indenizações médias de R$ 368,9 mil.

Estimativas de entidades médicas apontam que cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros enfrentam sintomas de burnout — o país ocupa o 2º lugar mundial nesse indicador, atrás apenas do Japão.

Quando a métrica invade a pele

O turno não acaba com o expediente: celulares, notificações, prazos que ecoam no sono. O sujeito não mais se reconhece; transforma-se em gráfico, linha ascendente ou descendente. Essa expropriação do tempo psíquico gera dois modos típicos de adoecimento:

  • Ansiedade de desempenho: o corpo vive em alerta, como se cada tarefa fosse um exame decisivo.
  • Desapego afetivo: para suportar, o sujeito vai se dissociando, perde o gosto, a intensidade, o sentido.

Causas que se entrelaçam

Quem pesquisa burnout e ansiedade no trabalho reconhece padrões recorrentes:

  • excesso de carga e tarefas concorrentes
  • metas irrealistas
  • insegurança no vínculo
  • baixa autonomia
  • ausência de suporte
  • ambiguidade nas expectativas

Esses fatores são reforçados por ambientes de vigilância e competitividade interna. A OMS e a OIT apontam que condições como essas elevam expressivamente o risco de transtornos mentais em trabalhadores.

Como redesenhar o trabalho e o viver

Para evitar e intervir, é preciso mexer no núcleo institucional e no ponto de assento psíquico:

No âmbito organizacional

  • redesenhar carga e prioridade — “o que precisa ser feito” antes de “o que pode ser exigido”
  • dar autonomia e clareza de função
  • formar gestores para cuidar (não só cobrar)
  • instituir pausas e proteger o direito ao descanso
  • canais independentes para suporte psicológico
  • adoção de normas de proteção de riscos psicossociais — no Brasil, desde de 26 de maio de 2025, empresas devem incluir a avaliação desses riscos em suas práticas de SST (Segurança e Saúde no Trabalho).

No âmbito individual

  • escutar o corpo antes que grite
  • reintegrar pausas e ritmos não produtivos
  • buscar elaborar, em terapia, os fios de culpa e exigência internalizados
  • negociar limites — dizer “não” é gesto de existência
  • considerar transições de papel ou função, quando o desgaste for estrutural

Superar não é domar o relógio

A saída não é uma performance equilibrada, mas uma retomada de presença. Recuperar o comum — o diálogo, o tempo que não rende mas que acode — é permitir que a vida respire além do regime da produtividade.

Burnout e ansiedade não são falhas individuais, mas indicadores de sistemas que corroem o vínculo entre sujeito e sentido. Curar-se é religar o corpo ao mundo, resgatar o desejo que ficou em latência e tornar possível o caminhar sem carregar o peso de “render sempre”.

É importante lembrar que quando não é mais possível sozinho, buscar acompanhamento psicológico ou psiquiátrico não é sinal de fraqueza: é um ato de responsabilidade com a própria vida.

A escuta profissional oferece o espaço que o mundo do trabalho não costuma dar, o espaço de existir sem precisar provar valor o tempo todo.

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