Tenho refletido sobre o quanto a nossa maneira de ver o mundo — e a nós mesmos — depende dos primeiros encontros que vivemos na vida. Especialmente daquela travessia silenciosa que acontece quando, ainda bebês, percebemos que não somos inteiros sozinhos. Que precisamos de um outro para nos completar.
Quando essa percepção da dependência se instala em um ambiente de amorosidade, quando o bebê sente que a vida vale a pena ser vivida, nasce algo muito precioso: a esperança. E é essa esperança que permite a experiência da apercepção — a capacidade de sentir prazer, de se abrir ao mundo e aos outros com curiosidade e confiança.
Uma mãe que consegue transmitir esse sentimento ao seu filho transforma-o em um conquistador. Mas não um conquistador no sentido banal da palavra. Falo de alguém que conquista, antes de tudo, o seu próprio eu. Alguém que se apropria de si para então poder verdadeiramente conhecer o outro.
Acredito profundamente que só podemos nos conhecer no contato com o outro. Somos espelhos, somos caminhos uns para os outros. E, nesse percurso, é preciso aprender a não se deixar levar pelos nossos “inimigos íntimos” — aquelas vozes internas que sabotam, distorcem, que tentam nos convencer de que a vida e os encontros não valem a pena.
A verdadeira tragédia, a meu ver, é não poder se expressar. Não poder existir plenamente diante do outro.
Cada novo encontro genuíno — cada objeto, pessoa, experiência que contemplamos com abertura — cria dentro de nós algo novo. É como se abríssemos um novo órgão, uma nova possibilidade de sentir e compreender a realidade.
Quando o encontro entre duas pessoas acontece sob a base do amor, da generosidade e da gratidão, algo muito poderoso se estabelece. Mas, se o bebê, lá no início da vida, não pôde fazer essa experiência de esperança — se prevaleceram sentimentos de raiva, inveja, desamparo —, a percepção do mundo se torna estreita e dolorida.
É nesse cenário que a percepção, e não a apercepção, domina: o prazer se desloca para fora, para algo inalcançável; os encontros são vividos sob o peso da comparação, da falta e da raiva. O outro passa a ser visto como rival, não como parceiro de crescimento.
E quando temos apenas um único ponto de vista, sem espaço para nuances, aos poucos nos tornamos inimigos de nós mesmos. A realidade se empobrece; o mundo se fecha.
O conhecimento real, esse que nos transforma de verdade, começa com a experiência — com a capacidade de estar aberto para o novo. A apercepção nos amplia. A percepção estreita nos aprisiona.
Refletir sobre isso me faz lembrar, com ainda mais ternura, da importância dos primeiros vínculos, da esperança plantada nos primórdios da nossa existência — e de como, mesmo na vida adulta, podemos buscar, cultivar e abrir espaços internos para que essa esperança floresça.