Faz parte do processo de análise instalar a culpa. Não para punir, mas para integrar. A culpa saudável nos humaniza. Ela aponta para algo que importa, que tem valor para nós.
Mas nem sempre ela aparece de forma justa.
Às vezes, o superego que internalizamos é cruel, rígido, impiedoso. Outras vezes, é permissivo demais, incapaz de nos oferecer limites protetores. Nenhum dos extremos ajuda. Um superego saudável precisa ser generoso, sim, mas na medida. Nem carrasco, nem omisso.
Na clínica, vemos como culpas podem se enroscar. Como experiências muito precoces — principalmente aquelas que tocam na sexualidade, na perda, nos sentimentos de abandono — podem se fundir e se deslocar, inconscientemente, criando marcas que o psiquismo carrega como peso.
Já atendi um paciente cuja culpa vinha de longe: ele cresceu acreditando que, para que ele pudesse nascer, o irmão teve que morrer. Essa associação inconsciente se formou porque a perda do irmão coincidiu com o momento em que ele estava vivendo o seu Édipo, fase fundante da estruturação psíquica.
É nessa fase que o amor aparece de forma nova: com afeto e excitação sexual misturados. O amor pela mãe ou pelo pai carrega ternura/excitação, de um lado, e competição/inveja do outro. E é o modo como o ambiente responde a esse amor da criança, e as características mais genuínas da criança, que, entre outros fatores, determinarão se ela vai poder elaborar isso de forma saudável — ou se vai carregar um trauma.
Sim, porque o trauma não nasce da dor em si. O que define o trauma é o quanto a dor pôde ou não ser processada, quando o psiquismo está se formando… Antes do Édipo, a criança registra sensações, marcas, percepções… aí vão aparecendo as memórias, o pensamento… Durante ou após a fase edípica, ela pode sofrer um trauma se o que sente encontra um ambiente desproporcionalmente incapaz de acolher, conter, proteger, dar limites.
Por isso é tão importante ajudar a criança a integrar o que é sensorial (corporal) e o que é emocional. Quando isso acontece, a saúde psíquica se organiza. Quando não, a criança pode se sentir como se vestisse roupas emprestadas — vivendo uma vida que não é dela, por meio de um falso self construído para agradar o ambiente.
Nossos mecanismos de defesa são montados cedo. E, em ambientes autoritários ou caóticos, o sentimento de culpa pode nem chegar a se desenvolver. Assim como também não se constitui em ambientes onde tudo é permitido, onde não há interdição.
As crianças precisam de espaço para gestar sua interioridade. E isso não nasce em ambientes hiper estimulantes, cheios de tarefas, onde tudo vem de fora. Interioridade e motricidade se desenvolvem no tempo do corpo e da subjetividade da criança, não no tempo das agendas lotadas.
Outro ponto que parece simples, mas é fundamental: os filhos dormirem em suas próprias camas, poderem ter privacidade, em quartos separados dos pais. Eles precisam perceber que os pais têm um vínculo marido-mulher, que é deles, sem que isto signifique para a criança que não tem espaço de amor para ela na família. Imaginemos o que causa no psiquismo de todos conviver em ambientes onde não há privacidades individuais…
A interdição simbólica é necessária. Ela ajuda a construir a noção de limite, de intimidade, de privacidade. É a partir disso que a criança aprende o que é público e o que é privado, o que se compartilha e o que se guarda dentro de si.
Sim, é importante falar até de masturbação infantil. Porque existe muita confusão e muito tabu. A criança que se masturba, apenas está brincando, ela não atribui significado sexual a isso, ainda. Quem “vê maldade” nessa curiosidade infantil são os adultos. A criança não está fazendo nada de errado, impuro, indigno, pecado…
O papel dos pais é ensinar, com afeto, que existem espaços para cada coisa: o que é da vida íntima, o que pode ser dito, feito em público, o que precisa ser guardado. Isso é civilização. Isso é cuidado.
Muitos pais não possuem estes limites internalizados, brigam, transam na frente dos filhos, em qualquer classe social existem tais violações, causando muitas consequências psíquicas nos filhos.
Falar disso tudo é dar nomes aos processos que, muitas vezes, vivemos no escuro. E a Psicanálise é essa lanterna: ela não elimina o caminho, mas permite que a gente o enxergue melhor.