É impressionante como, ainda tão pequenos, já vivemos movimentos psíquicos tão complexos. Às vezes me pego pensando: se pudéssemos acessar a mente de um bebê perto do seu primeiro ano de vida, talvez ouvíssemos algo como: “Nossa! É minha mãe quem me dá tudo!”
Nesse momento, segundo Winnicott e Melanie Klein, já não somos mais um todo indiferenciado. Nascemos unos, mas é na descoberta da alteridade — do “dois” — que começamos a perceber que não somos onipotentes. Que dependemos. E que, diante disso, sentimentos ambivalentes emergem: amor e ódio coexistem.
Mais adiante, com a chegada da experiência edípica — o reconhecimento da existência do casal parental —, acontece outro grande movimento interno. Reconhecemos: eu cheguei depois. A renúncia se faz necessária. Precisamos abrir mão da fantasia de sermos tudo para a mãe, para nos colocarmos no mundo como um terceiro, com nossa própria identidade, nossos próprios desejos.
Mas esse percurso depende profundamente da qualidade do ambiente em que crescemos. Se a mãe — ou a função materna — não foi suficientemente boa, outras trajetórias internas podem surgir.
Uma delas é a do passivo ressentido: aquela criança que se adapta sem questionar, que “não dá trabalho”. Sem precisar fazer nada, já é tratada de forma indiferente — e, inconscientemente, aprende que ocupar um lugar mínimo, quase inexistente, é a sua forma de sobreviver. Interioriza a ideia de que é indigente emocionalmente.
Outra possibilidade é o desenvolvimento de uma precocidade defensiva. A criança que se vira sozinha, que busca sua própria comida, que se convence de que “não precisa de ninguém”. Mas essa independência forçada cobra um preço: o surgimento de um falso self, uma camada adaptada que esconde a verdadeira necessidade de conexão. O prazer de existir, que deveria ser pleno e espontâneo, fica reduzido ao prazer mais primitivo, sensorial — aquele dos primeiros momentos de vida.
Nesses casos, pode-se desenvolver o que chamamos de narcisismo de morte: uma recusa inconsciente à vida. A pessoa nega suas próprias necessidades básicas — como quem, por exemplo, evita até beber água — porque, lá atrás, aprendeu que reconhecer a necessidade era algo perigoso, fonte de sofrimento ou abandono.
É nesse campo emocional primitivo que também surgem as chamadas protofantasias — experiências psíquicas anteriores à elaboração consciente de fantasias. Um bebê que espera pela mãe e a vê demorar pode, no auge da sua angústia, desejar: “quero que ela morra!” Quando a mãe finalmente chega, e o bebê percebe que seu ódio não teve o poder de destruí-la, nasce um alívio. Uma alegria profunda. E, junto dela, a primeira semente da gratidão.
Esses movimentos invisíveis moldam nossas formas de existir, amar, confiar e ser. E é só revisitando essas histórias internas — com coragem e acolhimento — que podemos abrir caminhos para escolhas mais livres e conscientes na vida adulta.