Entre o amor e o cansaço: o que uma criança especial desperta em quem cuida

O nascimento de uma criança com deficiência ou alguma condição especial costuma vir acompanhado de uma avalanche de sentimentos. Há amor, ternura, esperança, mas também medo, culpa e luto.

Não é raro que os pais sintam vergonha de sentir o que sentem. A sociedade romantiza o amor incondicional, como se cuidar de uma criança especial fosse sempre uma experiência de plenitude. Mas o encontro com a diferença desestabiliza. Obriga a revisar expectativas, projetos e imagens ideais de maternidade e paternidade.

Nas palavras de Winnicott, o ambiente “suficientemente bom” é aquele que permite que o bebê exista, mas também que os pais existam em sua humanidade. Isso significa que há espaço para o cansaço, para o desânimo e até para a raiva.

Sentimentos que ninguém quer sentir

Quando o diagnóstico chega, o amor se mistura com a dor. Muitos pais sentem pena e raiva ao mesmo tempo. Pena do filho, raiva do destino, culpa por não saber lidar. Ferenczi chamava de linguagem da ternura a comunicação emocional que surge quando o afeto é intenso demais para caber em palavras.

Mas, para que essa ternura não vire peso, é preciso poder falar, nomear o indizível. Dizer “estou cansado”, “estou com medo”, “às vezes eu queria fugir” não é abandono. É o contrário: é reconhecimento da própria humanidade.

A escuta clínica tem o papel de abrir esse espaço. Quando os pais encontram um lugar onde podem ser ouvidos sem julgamento, tornam-se mais capazes de sustentar o vínculo com a criança.

O lugar do outro: família, escola e sociedade

Uma criança especial convoca toda a rede à volta dela. A família precisa aprender a redistribuir funções, a escola precisa se reinventar, a sociedade precisa parar de olhar apenas com pena.

O olhar que reduz o sujeito à deficiência e a família à superação impede o encontro real. Nenhuma família precisa ser heroica; precisa ser acolhida.

Ferenczi nos lembra que o trauma não vem apenas da dor, mas da ausência de testemunho. Quando a sociedade se omite, deixa pais e mães sozinhos diante do insuportável. E o insuportável não é a criança, é o silêncio em torno dela.

Acolher quem cuida

O cuidado é um trabalho psíquico. Exige tempo, energia e um lugar interno de sustentação. Quem cuida também precisa ser cuidado.

É por isso que o acolhimento da família é tão essencial quanto o da criança. Terapia, grupos de apoio, políticas públicas e escolas preparadas não são luxos, são condições de sobrevivência emocional.

A família que encontra escuta pode transformar a dor em experiência e o cansaço em vínculo. Pode amar sem precisar fingir perfeição.

Porque o amor verdadeiro, aquele que dura, não é o que nega o sofrimento, é o que o reconhece e ainda assim permanece.

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