Não somos donos de nós dentro de nossa própria casa.”
Essa frase de Freud é um ponto de partida poderoso para refletirmos sobre algo que nos atravessa o tempo todo: a força do inconsciente.
Grande parte do que sentimos, pensamos e decidimos está fora do nosso controle consciente. Muitas vezes, o que determina nossas ações está justamente onde não conseguimos enxergar. E isso vale para todos os aspectos da vida — inclusive para os relacionamentos, a maternidade, a forma como lidamos com a angústia, os vazios, o prazer e os sentidos que buscamos para viver.
Na clínica, vejo muitos pais que atendem a todas as vontades dos filhos, achando que isso é amor. Mas quando não há limites, a criança também se sente perdida, tão órfã quanto aquelas que têm pais rígidos demais. O que ela precisa é de acolhimento e firmeza, de amor e contenção. Não é a ausência de frustração que constrói um sujeito, mas sim a presença amorosa que também sabe dizer não.
Essa presença é o que permite que, pouco a pouco, o bebê comece a simbolizar. Ao sentir falta da mãe, ele aprende que pode colocar outra coisa no lugar: uma boneca, um cobertor, um som. É aí que nascem os recursos internos e a capacidade de lidar com a angústia.
Mas e quando não há nada para colocar no lugar?
A angústia vira excesso, transborda. Na infância, pode se expressar em comportamentos extremos. Na vida adulta, pode se transformar em compulsões, acting out, ou numa busca desenfreada por sexo, drogas, controle. O problema não é a angústia em si, mas o que fazemos com ela.
Desejar só é possível quando nossas necessidades básicas foram minimamente atendidas. A voracidade nasce da personalidade; já a sofreguidão nasce do abandono, de uma falta de amor tão profunda que nada é capaz de preencher.
E quando não há desejo, não há movimento. A vida se esvazia de sentido. E aí, qualquer coisa que ofereça um rumo, mesmo que violento, autoritário, rígido, pode parecer melhor do que o vazio. Em tempos líquidos, essa necessidade de estrutura pode levar a escolhas concretas demais, identidades rígidas, políticas autoritárias.
A sexualidade também entra aqui. Ela é, talvez, a parte mais livre e, por isso, mais assustadora da nossa existência. Reprimir demais a sexualidade é reprimir também a criatividade, a curiosidade, a capacidade de conhecer o mundo com os próprios olhos. E, para poder olhar o mundo de forma própria, alguém antes precisou ter olhado por nós. Com amor. Com atenção. Com presença.
O adoecimento, muitas vezes, é um chamado. Um alerta. Uma denúncia de que algo precisa ser reorganizado. É nesse ponto que a análise pode atuar: ajudando a pessoa a transformar esse sintoma em caminho. A reconhecer os desejos, a dar nome ao que dói, a encontrar sentidos, e não apenas metas.
Porque, no fim, perder os sentidos da vida talvez seja mais grave do que perder a própria vida. E recuperar esses sentidos é, sempre, um trabalho de construção. Com amor, com escuta, com coragem.