Na clínica, já encontrei muitas pessoas que se definem como extremamente generosas. Fazem tudo pelo outro, dedicam tempo, energia e até recursos financeiros para ajudar. À primeira vista, parece algo admirável, e muitas vezes é. Mas, em alguns casos, percebo um paradoxo: a generosidade não está a serviço do outro, mas do próprio ego.
Essa é uma reflexão delicada, porque ninguém gosta de admitir que, por trás de certos gestos, pode existir a necessidade de aparecer, ser reconhecido ou se sentir indispensável. No entanto, quando o cuidado se torna uma forma de performance, ele deixa de ser puramente amoroso e passa a atender a uma demanda narcísica. É como se o ato generoso fosse, no fundo, um espelho no qual a pessoa busca admirar a própria imagem de “alguém que cuida”.
O psicanalista Donald Winnicott já apontava que o amor verdadeiro implica em reconhecer a alteridade. Ou seja, aceitar que o outro é um ser separado, com seus próprios desejos, limites e autonomia. Quando o gesto altruísta é atravessado pelo narcisismo, essa separação fica ameaçada. O “cuidado” pode se transformar em uma forma sutil de controle ou invasão, onde o outro passa a existir como um cenário para que o cuidador brilhe.
Isso não significa que toda generosidade seja falsa. Mas é saudável que cada um se pergunte: faço isso porque o outro realmente precisa ou porque eu preciso me sentir necessário? Quando existe honestidade nessa resposta, o cuidado se torna mais verdadeiro, menos sobre a nossa imagem, mais sobre a necessidade real do outro.
Acredito que o amadurecimento emocional passa justamente por esse ponto: poder oferecer algo sem esperar aplauso, gratidão eterna ou protagonismo. Cuidar com presença, não com vaidade. A generosidade que não precisa ser exibida é, na maioria das vezes, a mais transformadora.