Vivemos em uma época em que tudo acontece depressa demais. As imagens passam rápido, os estímulos se acumulam e há pouco espaço para sentir de verdade. Não raro, encontramos pessoas que relatam experiências importantes da vida com a mesma vibração de quem conta o que comeu no almoço.
Ir a um show internacional de um ídolo, fazer uma viagem pela primeira vez com a família, viver um momento afetivo significativo… e, ao serem perguntadas sobre como foi, dizem apenas: “Foi legal.” E pronto. Como se aquilo não tivesse deixado marca alguma. Como se tudo — até o que poderia ser inesquecível — se diluísse num vazio sem significado.
Esse é o que chamo de “conceito de futilidade do sentir”: quando a experiência emocional não é habitada, não é digerida internamente. A pessoa vive, mas não sente com profundidade. Conta, mas não se conecta. Há uma ausência de vínculo afetivo com a própria vivência.
Isso não é simplesmente uma dificuldade de comunicação. É uma dificuldade de elaborar. De transformar o que acontece no mundo externo em algo interno, íntimo, significativo. E isso tem raízes profundas.
Quando uma criança cresce sem espaço para integrar suas experiências, seja por excesso de estímulos, por abandono afetivo ou por um ambiente que não oferece sustentação psíquica, ela corre o risco de não construir esse mundo interno. Ela aprende a fazer, mas não a sentir. Reage, mas não elabora. E, com o tempo, pode até se acostumar com essa superficialidade emocional.
Na clínica, isso aparece com frequência. Pessoas que relatam abortos, perdas, mudanças significativas de vida, com a mesma entonação com que comentariam sobre o tempo. Sem conexão emocional. Sem afetos que sustentem o que foi vivido.
Na Psicanálise, buscamos resgatar essa capacidade. Construir o dentro, quando o dentro não foi construído. Fazer com que, aos poucos, o simbólico se organize. Que o prazer não seja só imediato, mas possa se prolongar, reverberar, criar memória afetiva.
E isso também tem a ver com o princípio de realidade, que começa a se estabelecer na criança quando ela inicia a percepção da criança que ela depende de um outro… Que há limites. Que há espera. Que há esforço e ações a serem feitas, entre o querer e o ter.
Alguns se atrapalham nesse princípio. Aliás, todos nós, em algum grau, nos atrapalhamos. Porque sair do princípio do prazer imediato e construir um caminho até a realização exige ego fortalecido, função materna suficientemente boa e, muitas vezes, análise. O processo terapêutico ajuda a diferenciar o desejo real da compulsão por preenchimento. Ajuda a sustentar o vazio sem precisar correr para preenchê-lo.
É isso que faz a diferença entre viver algo e realmente sentir. Entre passar por uma experiência e ser tocado por ela. Entre estar no mundo e, de fato, habitá-lo.