Saúde mental não pode ser um privilégio

Falar sobre saúde mental se tornou comum nos últimos anos. Empresas criam programas de bem-estar, influencers falam sobre autocuidado e a terapia passou a ser vista com menos preconceito. Mas, na prática, quem realmente tem acesso a esse cuidado? Durante anos, trabalhei no Serviço Público Municipal – desde 1973 até 2004. Passei pelas Clínicas de Saúde Escolar, Hospital Dia em Saúde Mental para Crianças e Adolescentes, Hospital Dia de Saúde Mental para Adultos e UBS. Também trabalhei como voluntária por 10 anos com meninas infratoras que passaram pela Fundação Casa. O que vi em todos esses lugares me marcou profundamente. O descaso com a saúde mental dos mais vulneráveis era gritante – salvo raríssimas exceções, como na gestão de Luiza Erundina, por exemplo.

Com relação às meninas da Fundação Casa: não tinham tratamento psicológico garantido pelo Estado, nem dentro nem ao sair da instituição.

Voltavam aos lares completamente desestruturadas, onde não havia qualquer suporte emocional. Tinham que enfrentar os mesmos contextos que as levaram a medidas socioeducativas – violência, abuso, abandono. Sem um acompanhamento terapêutico, dentro e fora da instituição, a chance de rompimento desse ciclo era mínima.

E sabemos que esse cenário não se restringe a elas. O Brasil, como um todo, investe pouco em saúde mental para as populações mais vulneráveis. Faltam políticas públicas que garantam acesso a tratamento psicológico de forma contínua, principalmente, para os casos mais graves, que necessitam de medicação psiquiátrica e unidades de saúde mental que atenda às suas necessidades mais específicas.

Aquelas pessoas que mais precisam de suporte são justamente as que menos encontram espaços para serem acolhidas.

Sem estrutura, não há mudança

Fala-se muito sobre “dar uma segunda chance”, mas como esperar que alguém recomece sem ferramentas mínimas? Muitas pessoas enfrentam quadros severos de sofrimento psíquico e, para elas, o acesso a terapia esporádica não é suficiente.

Projetos terapêuticos específicos para casos mais graves deveriam ser prioridade. Residências terapêuticas, por exemplo, poderiam oferecer um espaço seguro para quem não tem para onde ir.

Mas o que vemos é o contrário: cortes orçamentários, sucateamento de serviços e a falsa ideia de que saúde mental se resolve com discursos motivacionais.

Precisamos mudar essa realidade

A falta de investimento na saúde mental da população vulnerável não é um problema individual – é um problema social. Enquanto o acesso a esse cuidado continuar sendo um privilégio de poucos, estaremos perpetuando desigualdades e provocando ou promovendo, mesmo que indiretamente, o crescimento do crime organizado, a falta de segurança pública,

O que queremos para o futuro? Se a resposta for uma sociedade mais equilibrada e justa, precisamos começar garantindo que todos tenham, no mínimo, o direito ao cuidado emocional.

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